O poder da fila do pão
Todo mundo que vai à padaria reconhece o poder da fila do pão. Não, não estou falando sobre a fila de pesar o pão. Estou falando sobre aquela situação em que você chega na padaria e encontra as bandeijas de pão falhadas em suas fileiras de unidades de carboidratos perfeitos. Você chega lá e vê as bandeijas remexidas, pães tombados que você não sabe se caiu no chão e alguém colocou de volta sem que ninguém visse e aspectos de tempo acumulado na crosta. Logo percebe: esta crosta tem idade… enfim, sente uma leve dor no coração ao quebrar a expectativa de encontrar o aconchego na alma que é um pão de sal novinho.
Neste cenário, se você é familiarizado com a padaria ou talvez desinibido o suficiente, você aparece na portinha da equipe do padeiro e, fingindo aquela intimidade que você nunca teve, pergunta: “Ô meu amigo, vai sair pão por agora?”
No meio de mil fornos (talvez fossem só cinco), com vários andares de prateleiras (talvez fossem só seis), volta a resposta: “Daqui 5 minutinhos”.
O coração apressado do jovem atual olha para o relógio e avalia que esperar 5 minutos vale a pena para experenciar o aconhego na alma que é um pão de sal novinho. Você pára em frente o local de pegar pão, com o pegador em uma mão e o saquinho de papel na outra. Dependendo até cruza os bracinhos.
E é aí que a mágica começa.
As pessoas vão chegando e percebem sua imponência. Ali parada, marcando presença, sem pressa e sem preocupações. Elas entendem: você tem informações privilegiadas. Por qual outro motivo estaria ali desse jeito? Você olha de volta e responde no olhar: “Sim, eu tenho informações privilegiadas”, mas não diz nada verbalmente, para não soar prepotente.
A pessoa olha a bandeja de pães desorganizados e com acúmulo de tempo na crosta. Titubeia e te pergunta: “Vai sair pão por agora?”. Você olha para ela e responde calmamente, como somente o detentor da informação privilegiada teria: “Daqui 5 minutinhos”. A pessoa pára, com um pegador na mão e um saquinho na outra. A depender, até cruza os bracinhos.
Chega mais um. Por algum motivo, talvez pela áurea presente em volta do detentor da informação privilegiada original, a cena se repete, e a pergunta sempre é feita para o comprador de pão alfa. Não importa quantos cheguem, a hierarquia é sempre respeitada. E assim vai se formando uma fila mental. Ninguém fica atrás de ninguém. Todos estão em volta da grade em que se pega o pão, de maneira desordenada, mas sabendo tacitamente qual vai ser a ordem de acesso a unidade perfeita de carboidrato.
O padeiro abre a janela da grade de pão. Todo mundo se apruma, descruza os braços ou guarda o celular (no caso dos impacientes ansiosos).
As bandeijas são alocadas, uma atrás da outra. As unidades estão simetricamente dispostas, as crostas estão estralando, simulando o choro do bebê recém nascido, e o cheiro… o cheiro é de conforto. Se quiser testar a hierarquia, basta esperar por uma pequena fração de minuto e o primeiro atento irá se curvar e abrir um braço apontando os pães, mostrando a direção como um gentleman ou uma lady, para que a primeira pessoa da fila, a compradora alfa, vá na frente. A hierarquia é sempre respeitada, e o clima é só alegria. Alguém solta: “Pão novinho é bom demais, né?” E todos vão para suas casas partilhar esse bom sentimento com seus queridos.
Há muito o que se aprender em uma padaria.
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