O olhar infinito de um idoso
Todo mundo já reparou num idoso. Isso mesmo, aquele ser humano enrrugadinho e com cheirinho único (igual bebê tem cheiro de bebê, idoso tem cheiro de idoso) adquirido nos longos anos de vivência e sobrevivência. Idoso é muito interessante. Se você pensa na, curta ou média, vida que tem, e em quantas coisas já experenciou, imagine uma pessoa de mais de 80 anos! Quando o idoso é de nosso ciclo social, um bom bate papo no almoço de domingo de família pode ilustrar parte da trajetória e iluminar sua imaginação sobre “aqueles tempos”, o que tira um pouco do mistério daquele olhar. Mas você já reparou em um idoso desconhecido? Aquele no restaurante, no transporte público, desacompanhado no hospital ou na padaria pela manhã. Já reparou no olhar deles? Nos que eu tenho trombado por ai, eu vi olhares infinitos, o último que encontrei, além do olhar, uma conversa infinita que se iniciou com o fato de ele carregar dois guarda-chuvas “cabanão” (aqueles bem grandões, sabe?), mas um tema de cada vez.
Idosos. Alguns idosos têm olhares cansados, perdidos no horizonte. Fico imaginando o que eles estão pensando e tenho medo que o cansaço seja de viver, como minha avó em um período. Talvez seja egoísmo meu não entender, ou desejar que fosse diferente sem saber tudo que está dentro daquela cabecinha, tudo o que a pessoa viveu, ou pior, deixou de viver…
Em contrapartida, tem os idosos sorridentes. Estes têm como missão dar bom dia, boa tarde e boa noite a todos que cruzarem seu caminho, ou talvez um simples aceno com a cabeça com sorriso no olhar. Não há dúvida de que a vida destes indivíduos está ótima. Talvez não esteja excelente, principalmente levando em consideração as dores e limitações de saúde recorrentes do corpo biologicamente cansado. Mas isso não é motivo para que todos ao seu redor não mereçam seu mais sincero desejo de que tenham um bom dia. É de colocar no chinelo qualquer jovem que se irrita e acaba com o humor da semana inteira por coisas tão menores. Talvez isso só se aprende mesmo com os anos vividos.
Um terceiro grupo engloba os velhinhos reclamões. Para eles tudo está ruim. São sistemáticos e exigem que tudo ocorra como desejam, caso contrário, o mundo inteiro está contra eles. Mas acredite, até os reclamões têm olhares infinitos. Cada ruga, pinta adquirida nos anos de exposição ao sol, ou veia saltitante na pele fina e flácida, carrega uma parcela de experiência. Por trás de toda briga e reclamação, tem uma história que não fazemos ideia. O seu olhar também é infinito.
Eu digo olhar infinito, porque quando olho nos olhos não vejo o fundo. Independente de qual grupo esse idoso desconhecido se enquadra, o olhar não é raso. Tem muita coisa ali dentro. Muitas pessoas, muitos lugares, muitas perdas, muitos ganhos, muita VIDA vivida.
Ao olhar, além de imaginar o que ele viveu e está vivendo, imagino também o que ele pensa quando me vê de volta, uma jovem desconhecida, de outra “era”. Teria ele um olhar clichê sobre minha existência na era da tecnologia, cercada de informações e com o olhar quadrado em formato de celular? Teria ele uma visão mediana de uma jovem tentando se encontrar na vida e correr atrás de seus sonhos? Ou veria ele também um olhar infinito de alguém que muito pouco viveu, mas tem a sede de se estar viva e aprender e compreender tudo de novo que há para ser vivido?
Não sei em qual caixinha me colocam, ou se sequer me colocam em alguma (que presunção da minha parte. Com meus poucos anos de vida – inversamente proporcional ao número de dramas – ainda não adquiri profundidade no olhar o suficiente para merecer estes minutos de investigação).
Talvez eu passe despercebida, ou talvez lembre alguma neta ou alguém da longa trajetória vivida. Mas o que importa é que eu os vejo. E sempre que vejo, tento absorver alguma história, algum acontecimento. Tento mergulhar um pouco naquela profundidade e me imagino lá na frente. Teria eu um olhar infinito significativamente instigante? Olharia eu para os jovens da época com olhares clichês, medianos ou mais profundos? Diria eu algo semelhante como “na minha época era tudo mato”? Não sei, só o tempo dirá. No momento, meu trabalho é viver e acumular histórias para aprofundar meu olhar… torná-lo inseguro para quem não sabe nadar. E no meio tempo, tentar absorver as inúmeras histórias e mistérios que encontramos nos segundos de troca visual com os idosos desconhecidos de nossa sociedade. Sorrir de volta (até para os reclamões), desejar um bom dia e seguir para mais um dia.
Que coisa mais linda! Reflexões de quem jamais teria um olhar raso.
Parabéns por cada maravilhosidade!
Que texto lindo!!! Velhinhos são meu ponto fraco. Tenho vontade de apertar todos, dos risonhos aos resmungadores!
Eu percebo alguns com olhares que reflete o peso do tempo. Não sei se foi pq n se reiventam na medida q o tempo foi passando ou se pq, de fato, a velheci que é a última fase da vida, tem um peso. Um peso de consequência de tempos q n existem mais.
Só vivendo e chegando lá para saber!
Que a vida seja sempre leve para que mesmo na última fase, o peso seja ainda, insignificante!