A pessoa por trás da foto
Todo mundo já pegou uma foto sua antiga, olhou para o ser humaninho do outro lado e abriu um sorriso (nem que seja de canto de boca) ao ver aquela pessoa miudinha. Mas você já parou para pensar se aquela pessoa, presa no tempo, do outro lado da foto, também dá um sorrisinho ao te olhar de volta?
Imagino que eu não deva ser a única que já se perguntou isso.
Quando olhamos nossas fotos de pequenos lembramos do mundo infinito, dos sonhos, da brincadeiras mais sem sentido e também dos dramas, muitas vezes infundados, sendo realmente impossível não abrir um sorriso no rosto. Quando eu era pequena, eu queria ser médica veterinária e ter uma fazenda para abrigar todos os cachorros abandonados do mundo. Não se iludam, o altruísmo era seletivo, não envolvia gatos, por exemplo. Quando eu era pequena, eu dava aula para invisíveis e curava plantas com água, após eu mesma ter decidido que algumas estavam doentes. Quando eu era pequena eu tinha um programa de rádio, que passava em todas frequências e em todos os canais existentes de televisão, todo mundo me ouvia, querendo ou não. Eu sei, não faz sentido um programa de rádio passar também em televisão, mas isso não era relevante. Neste programa eu queimava o filme do meu irmão em rede nacional e cantava algumas músicas nos intervalos. Se chamava VideoLight, tinha vinheta própria (similar à vinheta de uma ligação a cobrar do orelhão) e na minha cabeça todo mundo amava – exceto meu irmão, obviamente).
E aí eu cresci. Ou melhor, ando crescendo. Parece que quando a gente vai crescendo o mundo vai se tornando finito aos poucos.
Em algum momento, que não me lembro, VideoLight parou de ser produzido e exibido em todos os meios de comunicação brasileira. As plantas do jardim já não precisavam dos meus cuidados e agora pessoas visíveis assistem as minhas aulas. Não virei médica veterinária, mas consegui resgatar um cãozinho da rua, meu grande companheiro atual. Muitas coisas aconteceram de lá pra cá e a gente não vai percebendo essa mudança de mundo. Ela acontece sutilmente: você começa a usar caneta ao invés de lápis na escola. Depois começa a se preparar para sair da escola (que foi sua realidade a vida inteira). Em seguida começa a corrida do ouro: estágios, disciplinas, cursos de verão, intercâmbios, experiências, voluntariado, dinheiro, currículo, crescimento, emprego… Aí começa a se preparar para sair de casa (sua segunda realidade a vida inteira)…
E aí que me pergunto, o que é que aquele serzinho, preso nos anos 90 naquela fotografia, pensa ao olhar de volta para mim? Será que ele se admira e se sente ansioso para chegar neste ponto em que estou agora? Animado para passar por tudo que passei? Ou será que ele gosta do que vê, mas com ressalvas? Ou será que ele se pergunta se tudo que foi vivido internamente lá atrás, na época da foto, se perdeu e nem reconhece mais o ser que está do outro lado? Será que ele se espantaria com o grau de ansiedade e insegurança que pode detectar ao olhar de volta? Ou será que a firmeza no olhar do futuro traria calma e confiança pros olhos do passado? Seria possível que se encantaria com o mundo finito assim como se encantava com o mundo infinito?
Quando vamos crescendo, imaginamos tudo que iremos viver, passar e nos transformar. E é claro que apesar de nossa base na infância influenciar muito no que nos tornarmos, não chegamos nem perto de prever o que realmente acontece com a gente no decorrer do caminhar. São tantas variáveis, tantos acontecimentos e oportunidades imprevisíveis… E está tudo bem, até porque, quando pequenos, muito do que imaginamos nos tornar é bastante limitado e está relacionado com o nosso encaixe na sociedade: nossa profissão, nosso trabalho… Mas as vezes, o orgulho da pessoa do outro lado da foto, independe do rótulo que você adquiriu em diplomas ou na carteira de trabalho, vai além.
Por isso gostaria de propor algo.
Quando vamos crescendo sentimos o compromisso de sermos pessoas boas para uma sociedade melhor, para nossa paz e também pelos nossos pais, que tanto se anularam para que pudéssemos viver da melhor forma possível. Mas aqui proponho um novo compromisso: orgulhar o seu ser humaninho do passado!
Já imaginou se você pudesse, por cinco minutos, tomar um leite com toddy e papear com seu ser pequenininho do passado? Seria muito engraçado ouvir os mais diferentes dilemas e sonhos da época, mas também seria incrivelmente inspirador reconhecer naquele ser miudinho o mundo infinito que sempre esteve em você… Quem sabe isso não mudaria inclusive sua perspectiva de vida atual.
Já tirou uma foto do fundo da gaveta para fazer essa viagem no tempo?
Tina,
Tenho certeza que o seu ser humaninho morre de orgulho de quem se tornou!!
Este texto é um resgate!!
Lindo!!
Curioso!
Esse texto me tocou profundamente, pude por uns instantes me encontrar com meu eu de 10/15 anos atrás e confesso que senti vontade de reviver cada sensação, esse é meio que o poder que a escrita tem, de nos levar a novos/velhos lugares. Parabéns belíssimo texto!
A vida é muito bela, e fica mais ainda, quando tiramos o tempo para relembrarmos disso no nosso cotidiano! Que bom que você revisitou aqui e ali no seu passado, fico feliz que este texto te levou a este caminho!
Que leitura revigorosa para uma alma em alento num mundo discrepante de “receita de bolos” de como devemos ser e agir. Quando na verdade, só precisamos nos despor destes excessos que acabam fazendo com que a gente se esqueça de quem realmente somos, porquê um serumaninho pequeno na década de 90 ainda existe dentro de nós.