Um fim do mundo de dez letras

Um fim do mundo de dez letras

24 de setembro de 2019 0 Por Agatha Pedersen

Todo mundo já passou pelo desespero de não saber se após a faculdade vai entrar para a estatística do desemprego, ou melhor, dos ‘disponíveis para o mercado’. Eu sempre começo meus textos com “todo mundo” para eu não me sentir tão só nesses perrengues que a vida nos dá de presente, com um sorrisinho de canto de boca, só de botuca para ver se a gente dá conta. E acaba que a gente dá (algumas vezes demora muito, mas dá). Só que isso não impede que a gente, de tempos em tempos, crie um fim do mundo diferente para justificar nosso drama. E o meu fim do mundo do momento tem dez letras: DESEMPREGO. Você passa no vestibular é aquela festa, todos seus problemas estão resolvidos, e de quebra, você se sente adulto, ou no mínimo, um jovem maduro (me respeitem, afinal, sou um universitário). E aí vem aquele orgulho nos almoços de família, “Ricardo tá cansado, muitos trabalhos da faculdade…lá é apertado menina, cê precisa de ver” e na verdade Ricardo está procrastinando até o último segundo possível, colocando as séries em dia ou atualizando o feed do twitter. Mas ele não precisa dar satisfação pra ninguém, pois agora ele lida com as responsabilidades de seus atos, que nesse caso, se chama prova especial, ou quem sabe, uma pequena reprovação. E assim vai desenrolando esse período louco que é a faculdade. Claro que Ricardo não é amostra representativa de todos os estudantes. Além do Ricardo mediano, têm os que não passam um apertinho se quer, porque nasceram prontos (que a ciência os entenda!); têm os que nunca nem viram a faculdade (geralmente são os mesmos que fazem estágio no bar); e os que são difíceis de interpretar (foi a maneira mais suave que encontrei). De todo modo, o tempo passa. Quando chega nos últimos períodos você acha que seu maior problema é o TCC e a banca que vai enfrentar. Mas esse é um fim do mundo bem pequenininho com relação ao que vem depois (mas respeitemos cada fim do mundo). Você começa a mandar currículos, a procurar palavras complicadas e chiques para descrever suas qualificações (muitas vezes triviais) do estágio (imagine para quem estagiou no bar!). De repente você não está mais com a bola toda nos almoços de domingo, mas sim o neto da amiga da avó ou o filho da amiga da mãe, que formou com 3 estágios, 2 intercâmbios, está empregado e fala 3 línguas. Aí você pensa: “calma Vanda, se não der certo bora estudar pra concurso”. Isso te dá um ânimo, um gás, até você ler no edital o que cai na prova (se você não fez direito, quase nada do que você passou 5 anos estudando). Aí “o coração dispara, tropeça e quase pára”. E nisso o dia da formatura está chegando, e como o tempo passa pra todo mundo, o neto da amiga da avó foi promovido e está fazendo sua primeira viagem internacional pela empresa. Mas como dizem os bordões da sanidade mental (do qual não discordo): cada um tem o seu tempo, não se compare com os outros. E também, provavelmente o neto da amiga da avó tem algum defeito, ou não é tão engraçadinho quanto nosso Ricardo, que está sempre por dentro dos memes do momento. Mas tudo bem, tirando a vida dos empregados, tem várias coisas que a falta de emprego traz um desesperinho. Além claro, de estabilidade financeira, ter subsídio para os sonhos mais bestas (por exemplo ter um porquinho e arcar com as despesas de se ter um porquinho), ou os sonhos distantes (como comprar um lote e construir uma casa – com um jardim imenso para que o porquinho tenha espaço para brincar), a falta do emprego também significa uma coisa: a falta do ticket alimentação. Descobrir a existência do ticket alimentação é um caminho sem volta, é pior que spoiler de seriado, que eventualmente você assiste a cena e faz paz com a ideia de que você já sabia. Não. Uma vez que você descobre, ticket alimentação vira uma meta, as vezes o emprego é até secundário, apenas um método para você ter essa ilusão em forma de cartão que tanto alegra nosso coração. Mas esse texto não é sobre ticket alimentação, embora seja um trem que dá uma sensação tão boa, que mereça um texto próprio. 

Voltando: sonhos. Vida adulta. Responsabilidades. Você já está grande o suficiente para saber que era feliz quando criança e não sabia, e ao mesmo tempo pequeno demais para assumir esse mundo de boletos, expectativas e decisões. Continuando: seu telefone não toca, você não recebe nenhum e-mail mágico, apenas aqueles que garantem que seu currículo está no banco de “talentos” da empresa para futuras oportunidades (com tanto talento no banco de reserva, não sei nem por que abrem vagas novas). O que você faz? Por um momento você repensa sobre o concurso, mas aí você assume que levaria mais uma graduação para conseguir aprender tudo e passar (ou você topa passar por isso, não consigo abarcar todos os seres humanos). Você liga para parentes, amigos, conhecidos e até manda um e-mail pro neto da amiga da avó, deixando em anexo o currículo caso ele conheça alguém que conheça alguém que saiba de alguma vaga em algum lugar de um conhecido, afinal, nesse meio tempo você descobriu que networking é a palavra do momento.

Chega o dia da formatura. Muitas alegrias, textos emocionantes que só quem está de beca presta atenção do início ao fim e se emociona com as palavras. Incertezas. Você olha pro lado e tem um tanto de gente de preto, perdida por dentro e sorrindo, uns mais bem resolvidos que outros, mas quem se resolveu também segue na incerteza de ter que assumir um cargo do qual na maioria das vezes não se sente seguro, assinar o nome em decisões importantes e sobretudo: começar uma rotina que provavelmente vai ser para o resto da vida. Claro que as coisas mudam. Se muda de emprego, as coisas melhoram (ou não. Já falei das coisas que a vida faz com um sorrisinho de canto de boca… só de botuca). Mas não é igual as outras fases que tinham prazo de validade, tipo o intercâmbio, o ensino médio, a faculdade. É isso. Você chegou no ponto de início de uma carreira pro resto da vida. Eu digo “você” porque no caso eu sigo tentando abrir a minha primeira porta. A saga dos e-mails, currículos, telefonemas, e inclusive concursos continua. A saga dos almoços de domingo também se seguem firmes e fortes (mais firmes do que fortes). Mas nos mantemos otimistas, tentando puxar um pouquinho da fé de Milton, que anda com ele e não costuma falhar, ou como diria Raul tentando ser sincero e desejar profundo para sacudir o mundo. Tentamos outra vez. E outra e mais outra. Tentativa é nossa maior munição. A cada “não”, respondemos com graciosidade: “já acabou Jéssica?” e tentamos de novo. De todo modo, me conforta que esse fim do mundo também vai se ajeitar, como os outros que passaram já se ajeitaram e como os que virão (perrengue chega sempre…tão certo quanto o nascer do sol) irão se ajeitar. É como li um dia: os problemas nunca deixam de existir, eles apenas são atualizados (não lembro a fonte). Quando você soluciona um problema, ele não some, ele só muda de lugar. Então, quando o dia de glória chegar (na forma de um e-mail mágico, se Deus quiser), esse fim do mundo vai acabar, mas vão surgir outros problemas,  como boletos, a construção do jardim da casa (e o lote? Céus), ou a manutenção do bem estar de um porquinho. E seguimos assim, nos equilibrando com emoção em vários fins de mundos, mas que são justamente o substrato para novos recomeços. Nota: white people classe média alta problem. Admito.