Hoje a cobra vai fumar
Todo mundo já ouviu/usou diferentes expressões sabendo o seu significado e momento apropriado (ou não) de usar, dando um charme ou sendo inconveniente em alguma conversa qualquer. Algumas expressões são mais usuais, outras menos comuns. Ainda que aprendamos a origem de algumas delas na escola, outras não temos ideia de como surgiram ou porque são ditas nestes contextos. Eis o propósito do texto da semana, que surgiu na utilização da expressão “sangue de barata” em outro texto. Mas não troquemos as bolas e foquemos neste.
Sangue de barata faz menção a um sangue frio, sem calor, sem amor. Barata é um dos poucos seres que não me descem goela abaixo. Não suporto. De fato, não consigo ver amor naquele bicho, mas admito o preconceito. De toda forma, a expressão não remete ao preconceito. Há quem diga que surgiu pela ausência de sangue nesses insetos (baratas têm linfa), há quem diga que surgiu pelo fato de barata ser um ser de “sangue” frio, assim como outros seres não endotérmicos. Fechado a origem do texto, seguiremos para os mais interessantes, se não a cobra vai fumar.
De onde surgiu a ideia de uma cobra fumar sem nem ter como segurar o cigarro? A expressão vem justamente deste absurdo. Advinda da Segunda Grande Guerra mundial, contexto em que se especulava se o Brasil tomaria algum partido e entraria no combate surgiu-se a expressão de que era mais fácil uma cobra fumar do que o Brasil entrar na guerra. Acabou que o Brasil entrou na guerra e caiu na boca do povo “a cobra vai fumar” no sentido de o “bicho vai pegar”, e até hoje ficou. Se fumou ou não, fica para ela responder, mas caso você a pergunte, saiba que dizem as más línguas que ela é cheia de 9 horas.
Diz o mestre (mestre hoje em dia é o Google), que esta expressão vem do toque de recolher da sociedade brasileira do século XIX. Assim, as pessoas deveriam estar resguardadas e seguras em suas casas a partir de 21h da noite, e aqueles que seguiam sistematicamente a ordem tácita da sociedade (os melindrosos, cheios de manias e regras), eram chamados de cheios de 9 horas. Em contrapartida, os boêmios livres aproveitavam a vida para além da ordem de recolhimento, gastando juventude, poesia e dinheiro noite a fora. Por falar em dinheiro, algo já lhe custou o olho da cara? Pois ainda bem que você tem dois!
Já ouvi diferentes versões da origem. Uma remonta um espanhol que, ao invadir o império Inca em nome da coroa espanhola, perdeu um olho, e então disse que defender a coroa espanhola, custou-lhe o olho da cara. Outra versão faz menção a alguns poetas gregos, que eram cegos (cegavam-lhes os olhos propositalmente para mantê-los presos e dependentes), e outra diz respeito à tradição bárbara de cegar prisioneiros de guerra. Independente da real origem, hoje usamos para coisas que custam muito caro, mas pensando bem, até que custar só dinheiro, é pouco. Mas quem nunca vai comprar algo que custa os olhos da cara é o mão de vaca, nem que a vaca tussa!
Essa expressão vem do formato da pata da vaca, que apesar de ter 2 “dedos” em cada pata, aparenta ser algo único, fechado, lembrando a retenção de dinheiro na mão. Já a expressão nem que a vaca tussa, não é de toda coerente, já que vacas tossem, assim como nós. Entretanto, como a frequência (você já viu uma vaca tossir?) é bem menor que em seres humanos, a expressão ficou marcada como algo improvável, senão impossível. Por outro lado, algo que definitivamente não é improvável é segurar uma vela.
Quem nunca? A vontade é de ir embora e caçar nosso rumo. Todo mundo já passou por isso, e se ainda não, pode aguardar que sua hora vai chegar. A expressão é literal. Na época em que não havia eletricidade ou lamparinas necessitava-se de um “profissional” que segurasse a vela para a execução de tarefas em locais mal iluminados. Na idade média, essa função incluía, além da execução de tarefas, encontros românticos. Assim, não se sinta mal. Se está segurando uma vela, encare como exercício de uma função profissional de outros tempos (quem sabe vale até acrescentar no currículo). De toda forma, essa situação não deixa de ser o ó do borogodó, expressão que vai ficar para a próxima porque já deu meu toque de recolher e eu vou picar a mula porque sou mesmo cheia de nove horas…
Tina. Que texto gostoso de ler. Apreciei sem moderação. Quero mais.
Bjocas da H.🌸
Texto muito bem escrito, de fácil leitura e que traz conhecimentos de certas “expressões” que utilizamos no cotidiano sem nem termos idéia a respeito de suas origens.
Parabéns!!
Linda Agatha, não
Sabia q tinha este dom maravilhoso de escrever. Parabéns!
Monteiro, Marcelo (26 de julho de 2017). «Sete decadas atras, soldados brasileiros comecavam a sua saga na Italia». Zero Hora. Se no Brasil dizia-se que era mais facil uma cobra fumar do que o pais enviar soldados ao front, a chegada do contingente ao sul da Italia sepultava qualquer duvida: sim, a cobra iria fumar.